Uma quarta-feira de supermercados e desistências

Sentia os pés pesados enquanto caminhava pelo supermercado, sem rumo. A cabeça estava lotada daqueles pensamentos tão familiares, porém arrebatadores toda vez que surgiam. Escolheu, por impulso, dois saquinhos de pão de queijo e um bolinho industrializado de chocolate; estava com o estômago cheio do café da manhã que tomara em casa mas, de alguma forma, confundia a fome da alma com a fome do corpo, e aquelas fontes de carboidrato e açúcar pareciam maneiras de amenizar a inquietação daquela mente.

Ela cria planos e começa a colocá-los em prática com a mesma rapidez e certeza que desiste dos mesmos planos depois de dias, e ali, na fila do caixa de até 15 volumes, conseguiu esboçar sua próxima aventura: listou virtualmente os livros que procuraria no sebo a algumas estações de metrô dali, os equipamentos necessários para concretizar a fuga e as explicações que daria aos pais – ou será que não daria nenhuma? – , coitados, que tanto desgosto teriam (novamente). Em cinco minutos, calculou quanto custaria tudo aquilo, adicionando os gastos que eventualmente teria quando desembarcasse, e lembrou-se de adicionar à lista o lembrete de arranjar trabalho por lá, algum que suprisse suas necessidades básicas por um tempo e não desse espaço para luxo.

Conferiu a nota fiscal e saiu para enfrentar a manhã fria de São Paulo, sentindo o vento gelado invadir seu corpo e deixar suas narinas dormentes enquanto respirava. Marchava mecanicamente, o olhar fixo para dentro dela mesma, tentando entender tudo aquilo, e os olhos somente cumprindo o dever de não deixá-la tropeçar nos buracos do caminho.

Voltou para a estação, sentou em um dos bancos da plataforma e esperou. Pelo que, não tinha certeza, mas esperava com a maior contradição do mundo, transbordando ansiedade e tão serena ao mesmo tempo, como se o mundo tivesse parado e ela não tivesse desistido do seu ganha-pão há pouquíssimos minutos. Por que tinha feito isso mesmo?

Caçou na mochila o seu exemplar de Walden, relido tantas vezes, e enquanto passava os olhos pelas letras e frases conhecidas, conseguia puxar um ou dois pensamentos daquela multidão que dançava descontrolada em sua cabeça e analisá-los, sem chegar a conclusão nenhuma sobre sua própria dupla personalidade, que ora queria ser integrante, ora se isolava com extremismo da sociedade.

O trem chegou, mas ela não levantou. Estava ocupada, pois abrira um dos saquinhos de pão de queijo e os devorava com rapidez; quase com a mesma rapidez com que desistiu de seu último plano.